terça-feira, 13 de dezembro de 2011

And in the end, the love you take is equal to the love you make.


Então aqui acabo o meu ano. Fugirei um pouco do mundo e espero voltar a postar somente em fevereiro. Tomarei vergonha na cara e farei o que tanto tenho protelado: dar uma nova cara para esse blog (o layout é o mesmo desde o seu nascimento, em março de 2009). Espero deixá-lo bem bonitinho para vocês. :)
O balanço desse ano foi positivo. As visitas triplicaram desde 2010, o que é bom. Para um blog literário (eca!), fico feliz com as minhas humildes 3.055 visualizações de páginas (sim, isso é bem pouco se comparado a um blog de variedades, beleza, humor, jornalismo, etc.).
De presente de natal, deixo o post abaixo. Sei que não chega a ser um presente sequer razoável, mas, enfim, é a vida...(Me chamem de ridícula nos comentários. rsrsrsrs)

Então vamos às cinco postagens com o maior número de visualizações do ano:

5. Esta data tão querida
4. A  5ª Sinfonia ou o Caos Eterno
3. A palavra anônima 
2. Isto Não É Um Cachimbo ou Se até Nietzsche Amou
1. "Não entendo por que na escola preferem nos ensinar coisas que qualquer idiota aprenderia lendo um livro." - Calvin


Enfim, parabéns aos ganhadores. Apesar de que, se eu pudesse escolher, esse ranking estaria bem diferente. Daí restariam apenas os números 3 e 4.

Boas festas. Comam, bebam e gozem. Tal como faria o (mítico?) rei Sardanapalo. 


A morte de Sardanapalus, por Delacroix.

There is a light

Foto: P. Lenna

 Você me guiou por ruas que antes eu nunca havia ousado pisar. Me mostrou o caminho segurando-me pelas mãos. Olhou nos meus olhos dizendo para seguir em frente. Você queria me mostrar aquele pedaço perdido de você. Eu não tive medo, nem ao menos hesitei. Você tinha a minha permissão para me roubar do mundo. Apesar de tudo que havia pra ser feito, de todos os lugares onde eu poderia estar, do sol que se punha, dos carros que passavam apressados, da primavera que chegava tão de repente, apesar de tudo, eu lhe entreguei meus passos, minha voz, meus gestos; lhe confiei meu riso e meu choro, meu abraço e meu encanto, meu desprezo e meu desejo. Você aceitou resignado (não sei se por frieza ou por vergonha), o que me fez ruborizar. Nossos olhos piscaram e a noite caiu por inteiro. Olhei novamente e você já não estava. Havia alguém ali. Alguém com um olhar fosco e muito triste. A escuridão avançava e pedi para que ele me guiasse de volta. Eu precisava voltar. Eu não sei o caminho. Por favor, me ensine...É tarde. É muito tarde e eu tenho medo do escuro.
Silêncio.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

‎"Não entendo por que na escola preferem nos ensinar coisas que qualquer idiota aprenderia lendo um livro." - Calvin



Acho tão engraçadas essas pessoas racionais ao extremo, que perseguem a realidade em nome da inteligibilidade humana. Como se tudo fosse realidade! O que existe é a minha realidade, a sua realidade e a realidade do outro. O que a gente chama de realidade nada mais é do que um mundo físico que, por sua vez, não existe por si só. Ele só passa a "existir" e ser "verdade" a partir do momento em que agregamos algum sentido a ele. Tudo é um sistema de significações, codificações e decodificações. Aviões voam, homens vão para o espaço, tecnologias da informação avançam...Isso é realidade porque faz sentido. O mundo está aí, nós o percebemos e, a partir disso, construímos nossas representações simbólicas. E só. Até a famigerada filosofia, que se arrasta através de milênios tentando conhecer "a verdade" ou "a realidade", nunca soube dar uma resposta absoluta. E isso porque ela simplesmente não existe ou não é inteligível. O que quero dizer é que a própria filosofia é uma forma bastante cômoda (e até abstrata) de experimentar o mundo. Os próprios filósofos vivem da filosofia para não experimentar ou viver "só" de realidade. Então não me chamem mais de ignorante, fraca ou medrosa. Porque é isso que eu sinto quando leio certos autores...
Ahhhh...Filosofia de cu é rola! hahahahaha





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Publicação de Facebook. Achei que valeria um post aqui. :)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Wor(l)d

"Word Cloud" do meu blog. Pode ser feito aqui. :)


queria escrever sobre todas as coisas do mundo
descomplicar tudo é complicado
desempoeirar cada palavra
fazê-la vir a tona
perguntar-lhe a que veio
dar-lhe uma função
confundir seu significado
mexer com seus sentidos
e,por fim, dizê-la
na frase mais perfeita.
completar o verbo intransitivo
verbalizar
ah! as palavras! o gozo da pronúncia de uma palavra bem dita
bem empregada e bem entendida

domingo, 13 de novembro de 2011

Isto Não É Um Cachimbo ou Se até Nietzsche Amou

"Ceci n'est pas une pipe", Magritte



Isto não é amor, é só palavra
Isto não é amor, é só ideia
Isto não é amor, é só poesia
Isto não é amor, é só teoria
O amor não está aqui
O amor é sentimento


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

And in the end...

Foto que achei na câmera aqui de casa. Não sei quem tirou....e não me dei ao trabalho de perguntar. hahaha

Um pouco mais triste, a vida continua.
A vida continua um pouco mais triste.
A vida triste continua um pouco mais.
Triste, a vida continua mais um pouco


.Enfim.

domingo, 9 de outubro de 2011

A 5ª Sinfonia ou o Caos Eterno



Ele já havia lhe advertido várias vezes: "Não saia à rua sem mim". Ela sempre acatava, sem hesitar ou questionar o que aquele homem - o seu homem - lhe ordenava. Sim. Eram ordens, porque ele  mesmo sempre acrescentava ao fim de cada frase imperativa: "Isso é uma ordem". E mesmo reclusa, dentro das paredes confortáveis do casarão enorme, os rumores de que ela era submissa demais para aqueles tempos chegavam aos seus ouvidos. Não se importava. Falassem o que bem entendessem. Ela sabia que tudo aquilo, aquele bigode recatado, aquelas botinas pesadas, aquela voz grave e impetuosa, eram artifícios para um bom convívio e que, sim, era pautado no amor porque era proteção.
Mas desde aquela noite já não conseguia dormir. A ideia da fuga, a ousadia da rua, dos olhares curiosos... Tudo lhe perturbava a ponto de tirar-lhe o fôlego. Sempre que a fuga surgia em sua mente quase infértil, um frio agudo subia-lhe pela espinha, eriçando ousadamente cada pelo de seu corpo. "É só uma rua." Não precisava fugir. Desaparecer para nunca mais voltar. Era só....a rua.

Estava ensopada de suor. A camisola branca de linho chegou a adquirir uma tonalidade amarelada. Ainda permanecia na cama; imóvel. Uma sensação de desconforto extremo a impedia de executar qualquer movimento, mínimo que fosse. Já era tarde. Podia perceber pela claridade excessiva que invadia as enormes vidraças do quarto e que a impediam de abrir completamente os olhos. Nem mesmo as grossas cortinas de veludo davam conta de impedir o assédio da luz. "Céus! É hora! Logo ele voltará para o almoço e nem mesmo falei com as criadas! As criadas....por que não me acordaram? Por que não chamaram?".
A casa silenciava como nunca. Precisava romper a densidade estática do ambiente que já chegava a sufocá-la. Levou uma das mãos até a nuca e sentiu os fios de cabelo ensopados pelo suor. Sentou-se de uma só vez. Precisou esforçar-se para se livrar do peso enorme das cobertas lançadas ao pé da cama. Os pés tocaram o chão de madeira impecavelmente polida e que estranhamente estava gelada. Insuportavelmente gelada. Agora, sem as cobertas, podia sentir o frio adentrar cada poro do seu corpo e quase congelar sua pele. Ainda assim havia suado como nunca durante a noite. Como se uma enorme revolução térmica tivesse ocorrido assim, no pequeno espaço das horas que determinam o período da noite.

Estava imersa em devaneios sonolentos quando ouviu a primeira nota. Abriu completamente os olhos e esperou ofegante. Então veio o primeiro acorde. Grave, um arpejo de violoncelo ressoou pelo corredor e adentrou a madeira maciça das portas do quarto. Lá dentro, ela aguardava estática. Num ímpeto, totalmente incrédula, correu até a porta, escancarando suas duas folhas. Mal terminou de abri-las e a música, numa intensidade crescente e quase sinestésica, soou melódica e harmonicamente impecável. Projetou seu corpo para o corredor quase que instintivamente, olhou ao redor, procurou nos quartos vizinhos. Nada. Apenas um som de frequência muito baixa, rompendo as barreiras do casarão e se instalando em cada cômodo insolentemente. A casa estava vazia. Chamou pelas criadas, que não apareceram. Desceu cambaleante a escada que levava até o salão principal e permaneceu estática, bem abaixo do imenso lustre de cristal que decorava o ambiente. Seu coração pareceu deslocar-se da cavidade torácica quando de súbito pode ouvir claramente não apenas um, mas vários cellos. O mesmo timbre, a mesma intensidade e ritmo, executando magistralmente o primeiro dos suítes de Bach! O casarão estremecia a cada nota... "Não é verdade! Só pode ser um sonho!". Soltou um grito desesperado implorando que parassem. Não surtiu efeito. Subiu os degraus para seu quarto tão velozmente que se não fosse o auxílio do corrimão, teria despencado escada abaixo. Trancou a porta com três voltas de chave e se embrulhou nos cobertores ainda úmidos de suor. Finalmente a música chegava ao fim, diminuindo gradualmente, até extinguir qualquer som que não fizesse parte do cotidiano melancólico do enorme casarão. "Céus! Até que enfim...". Suspirou de alívio. Não sentia mais calor, nem frio. Apenas o coração palpitando em um ritmo alucinante. O mesmo sentimento....a mesmo vontade....a ideia da fuga. O fôlego faltou-lhe, o frio subiu rápido pela espinha e os pelos se eriçaram. Era hora. Vestiu o primeiro casaco que avistou e com três voltas na chave destrancou a porta. Desceu a escadaria. Dessa vez com altivez e segurança, sem hesitar nem um passo. Com as mãos descobertas sentiu o metal gelado da maçaneta da porta de entrada enfeitada com dois vitrais floridos.

Atravessou a porta, desceu os degraus até o jardim, passou correndo por entre as árvores, abriu o portão, que rangeu por conta dos anos e dos íons de ferro. Deixou tudo para trás: Bach, jardim, árvores, portão e íons de ferro.Não teve tempo sequer de calçar-se, pisando nos pedregulhos do jardim. E finalmente alcançou a rua. Todos pararam observando a estranha figura, mas não se importou e continuou correndo.


Agora podia ouvir claramente a melodia profunda e poética do piano. Era a Valsa Minuto de Chopin! Seu fôlego se recompunha a cada contraponto frenético da batida cromática de seu coração. 






terça-feira, 19 de julho de 2011

Feito criança

LINK


E me pergunto: Pra que tudo isso? As coisas são tão simples, os fatos são tão óbvios. Esse cheiro de mundo, essa visão teatral, esse gosto...Meu Deus, quanta bobagem! Não faz sentido. Não faz o mínimo de sentido. Esse choro sem razão. Sem razão aparente...porque lá no fundo há uma razão. Tão escondida e profunda nas minhas entranhas. Mas está lá. Só um consolo...um consolo, um carinho, sem pretensão nem explicação. Andando, andando...continue andando. Calma. Já está quase correndo. Andando!! Devagar. Muita água empoçada. Esses ladrilhos desalinhados e essa merda de sapato! É capaz de eu parar de pensar e ainda continuar andando. Essa pressão na cabeça, esses mesmos pensamentos. Ele me ama. É fato. Não tem a mínima noção do quanto eu preciso dele, mas me ama...Enfim, já são três meses. Três meses?E...cinco dias? Cinco dias? Isso, isso. Ah, não. Caminhão. Por favor, passa devagar! Diminui, porra! Diminui! Caralho, essa água nojenta! Lavei a calça ontem. Quase não seca no varal com esse tempo. Esse tempo. Eu gosto. Gostaria mais se pudesse ficar em casa com ele. Calma. Vai devagar, senão acontece que nem da última vez. Ah! Essa estátua, monumento, sei lá, na entrada. É horrível! Não remete a nada. E o colocam aqui. Bem na entrada, para que todos olhem e comentem. A arte pra mim tem que sensibilizar. Não importa se é feia, bonita, chocante, alegre, triste...tem que tocar as pessoas. Fazê-las sentir. E esse negócio horrendo logo na recepção! Puta merda! Passo o dia olhando pra isso. Aliás, quem fez isso? Deve ter sido o filho do dono, ou a mulher dele. Só pode. Chorei feito uma criança ontem a noite. Por quê? Não sei....só ando triste. De repente tudo ficou meio triste. Parece que está impregnado no ar.  E esse caralho de escultura!!! Devia ter esperado o outro ônibus hoje. Parava mais perto. Mas cheguei. Deixa ver...dez minutos atrasada. Está bom. Para os meus parâmetros, ótimo. Essa tristeza, essa tristeza. Parece que vai me explodir o peito. Café. Sempre ajuda. Lá vem ele...vai falar do relatório."

- Bom dia, meu bem! Como está? Preciso que separe a papelada pra eu fechar o relatório hoje, tá?Qualquer coisa, vou estar na minha sala.
- Sim,sim...sem problemas. Já levo.

"Chorei feito criança.Essa tristeza, essa tristeza."

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Fuga

Tinha aprendido, sem que a houvessem ensinado, que a emoção é o pensamento que escapa da gente quando estamos distraídos. Ele foge para virar lágrima ou sorriso. Por isso, quando lhe perguntavam o motivo do choro, ela só respondia: Não sei. Acho que meu pensamento fugiu”.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O pecado...

Foto: Marlena Szasz
          
O pecado mora lá dentro

Já passava da meia-noite de sábado, mas o local ainda estava deserto. Era um bar, apesar de não haver nenhum indicativo da real finalidade daquele estabelecimento. Enormes enfeites em forma de balões juninos chamavam a atenção para aquele lugar que se escondia por trás de dois muros altos. As casas residenciais vizinhas tinham um aspecto sonolento e pareciam não se importar com a música alta que se ouvia de longe. O Vero’s Bar, no bairro da Candelária, é conhecido apenas por aqueles que o frequentam. Ele não está nos guias turísticos ou culturais da cidade. Nem mesmo pesquisas na internet são capazes de detectar o lugar. Para conseguir chegar, só mesmo através de indicações. 


Uma porta estreita, a única entrada do estabelecimento, era guardada por um homem agasalhado que vistoriava a entrada e saída dos clientes. “Pra homem é dez. Mulher entra de graça.”, informa o bilheteiro segurando um copo de pinga.  Do outro lado da rua, uma barraca de lanches atrai uma porção de homens que conversam rodeados pelas latas de cervejas vazias.

A garoa fria que começara a cair no começo da noite ainda não dava sinais de trégua. Abrigada debaixo de um guarda-chuva preto, uma mulher trajando shorts minúsculos e muito apertados dobra a esquina. Equilibrando-se sobre saltos enormes, ela cumprimenta o bilheteiro e entra rápido no local.

Lá dentro a decoração é formada por bandeirinhas e balões juninos espalhados por todo o bar. Tecidos floridos recobrem as paredes, que por vezes revelam o cimento chapiscado a espera da pintura.  Os poucos clientes escondem-se debaixo da cobertura em busca de mesas secas. Sentadas sobre as mesas, várias mulheres conversam exibindo suas coxas grossas e bundas enormes.  Quando a clientela começa a chegar elas percorrem o bar dançando sensualmente para qualquer homem que lhes dirija um olhar mais interessado. 

Os dois únicos garçons do lugar vestem camisas brancas e perambulam pelo bar chamando a atenção dos clientes mais atiçados. As mulheres se debruçam nas mesas ocupadas e pedem que os homens lhe paguem cerveja. R$ 4,50 a latinha de Skol. Um absurdo! Mas vale tudo para aqueles que estão decididos a “ganhar a noite”. As garotas fazem charme, dançam, abraçam e até beijam aqueles dispostos a abrir a carteira e despender os sete reais da caipirinha.

Um dos clientes pergunta se não haverá pole dance. “Não. Hoje não. Sem condições”, informa o garçom apontando para a barra de metal afixada em um palco improvisado ensopado pela chuva.  A noite não prometia muito. Os homens bebiam solitários, esnobando o que as mulheres tinham a oferecer. A clientela parecia mais entretida com a luta de boxe que passava na pequena televisão afixada no fundo do bar.

Foto: Miss Fluff

Quando quatro homens chegam e ocupam uma das mesas, vários pares de coxas muito grossas se aglomeram em torno do grupo. A veterana da casa chega acompanhada de mais três mulheres, abre espaço e senta com os recém-chegados. Ela é corpulenta e cheia de tatuagens. Começa a puxar conversa e pede que paguem as cervejas. “Traz quatro”, grita para o garçom. 

Um dos homens do grupo, vestindo a camisa do Inter de Milão, se interessa pela mais velha. Paga tudo o que ela pede e a beija várias vezes. Conversam por cerca de uma hora, até que ela desiste.  Há um limite de tempo. Se o homem não levar logo pro quarto nos fundos do bar, é melhor cair fora e passar pra outro.  A veterana se levanta cambaleante e se debruça sobre a mesa ao lado, onde um casal de amigos conversa. “Me dá licença, tá, meu bem? Vocês estão muito quietinhos. Vamos conversar. Me paga uma cerveja?”, pergunta quase intimando o homem. Ele responde rápido que sim.  Já sentada, ela traga o cigarro que leva entre os dedos e dirige-se sorridente à amiga do rapaz.  “Você não se importa, né, meu bem? Porque eu não quero arrumar um barraco aqui hoje”. A moça consente e como recompensa recebe um "xero" de presente. As duas riem.

No Vero’s você tem que conquistar. Precisa ter lábia, conversar ao pé do ouvido, oferecer o cigarro, pagar as bebidas – as mais caras, de preferência - e chamar para dançar forró agarradinho. Se o homem deixar sentar no colo é porque a noite está ganha. Começam as caricias mais atrevidas, os beijos mais ousados e, quando se percebe, os dois já caminham em direção ao quarto.

Lá pelas três da manhã as mulheres que sobraram perdem toda a timidez. Elas tiram os casacos e exibem seus sutiãs enfeitados com laços e lantejoulas brilhantes. Não fazem mais questão de conversa e não se incomodam quando algum homem apalpa seus corpos quase nus que dançam incansavelmente ao som do forró.

Mas nem todos vão atrás das mulheres. Muitos querem só encher a cara e curtir o ambiente. Cliente mulher quase não aparece. “Mulher desacompanhada ou é puta ou é sapatão”, é o que se ouve entre os frequentadores do Vero’s. Uma das raras clientes admite que sempre procura ir em grupo para “não ser confundida com as outras mulheres da casa”.  Ou, pelo menos, é preciso estar acompanhada de um amigo “com cara de mau”.

Dependendo do movimento, o expediente termina lá pelas cinco da manhã. É quando as últimas mulheres já vestiram seus casacos e se cansaram da dança. Algumas ainda fumam seus cigarros e pedem para que os poucos clientes restantes lhe paguem a saideira. Não há mais expectativas de ganhar a noite, que chegou ao fim. As casas vizinhas ao bar estão acordando, então é hora de dormir.                                                                                                                                                                                                                                                                                      

quarta-feira, 22 de junho de 2011

boi moído


Comer carne é uma das poucas coisas que conservo de natural.

A única coisa que considero anormal é termos que considerar a possibilidade do vegetarianismo por conta da artificialidade da carne que chega aos nossos pratos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O meu direito termina onde começa o seu


E não é que só hoje fui reparar que aquela velha frase, símbolo maior da sensatez, de tão repetida, perdeu seu sentido em línguas e personalidades ferinas? Desgastada e abatida, ressurgiu bravamente.  Tão velha e cansada, coitada! O mundo moderno pregou-lhe uma peça e em suas artimanhas se viu enroscada. Sem rumo e sem chão, sem pudor e sem razão, hoje a maltratam assim:

Meu individualismo e intolerância terminam onde começam o seu.

sábado, 4 de junho de 2011

super-amor

http://www.flickr.com/photos/hmaziviero/

tudo muda, tudo se inverte, tudo passa e às vezes reverte
te olho de frente e tão de repente 
me vira as costas. já não há mais.

grito e mastigo; xingo e engulo
o que mais me condói, me maltrata e destrói.
é que na sua volta,
tão brusca e certeira,
se oferece inteira 
e eu digo que não.
mas quando resgata 
a velha ternura 
me beija e me cura
de todo o medo 
que teima o meu ser

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Coisas da vida adulta [2]

Minha gata em seu profundo e tranquilo sono felino
A justiça existe e é um conceito abstrato - a ponto de quase nunca ter efeitos práticos.

Coisas da vida adulta [1]

Seus valores morais e éticos são extremamente importantes - mas só para você e enquanto não estiverem sendo postos em prática.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

"___"

Seria tão melhor se ao redor da Terra orbitassem duas grandes aspas...


Estaríamos sempre sob ressalva.

domingo, 24 de abril de 2011

pra dizer o quanto o amor é brega ou o quanto eu te amo


Meus dias normalmente são mais longos e mais difíceis do que os das outras pessoas
Mas, quer saber? eu não me importo
Porque no fim, depois que a multidão se dissipar, eu tenho a certeza de que será você
o único que vai estar lá,
Olhando pra mim e sorrindo
mesmo que eu chegue muito, muito atrasada e cansada
você vai estar lá
De pé, de braços abertos, prontos pra me acolher pelo resto da noite 
E eu nem vou senti-la passar
Até o novo amanhecer
da certeza de te ter
No fim do dia

.
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Último post antes de sumir daqui por um tempo. 
Nada de novo. Tudo de novo outra vez.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

super-homem

retirada de cineclubegrandeangular

E quando ela chega
de um jeito tão manso
dizendo "seu moço, não foi bem assim"
 a prova de tudo, a prova do mundo
me joga no fundo e me cospe no chão
és tão decidida, tão linda e metida
que quando me invade, sem culpa e sem juras
me pega de jeito e me deixa do avesso.
depois do delito, meu corpo emudece
e mais uma vez, em deleite se esquece
"querida, te dou a razão"

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Nada a fazer.

CANDIDO PORTINARI, Criança Morta (Criatura muerta), 1944

Às vezes penso que Deus deve mesmo ser uma inteligência muito superior para encontrar sentido em alguns tipos de crueldade e injustiça que, para mim, por mais que eu pense, não servem para nada.

A única coisa que espero é que realmente haja um motivo. E que ele seja tão grandioso e sublime que a inteligência humana não seja capaz de perceber.
Para que eu não fique sem acreditar, me resigno ao cômodo e egoísta "Coitado.Espero nunca ter que passar por isso".

No fim, assim é que se vive. No esforço da fé, na vontade da revolta, na ternura da lágrima e no egoísmo infalível nosso de cada dia.

domingo, 3 de abril de 2011

Sério, sereno e inteligente

Por esses dias entrei numa livraria dessas de shopping, que insistem em misturar no ar o irresistível cheiro de livro novo com café.
Como qualquer livraria, de qualquer shopping, os livros mais vendidos e/ou recomendados ficam em lugar de destaque, a mostra em vitrines e balcões de exposição.

Mal entrei e logo minha atenção foi capturada pelo famoso Diário de Anne Frank. Logo esse livro, que há tanto tempo eu não notava mais nas prateleiras de livrarias, chegando quase a me esquecer da sua preciosa existência. Não que seja um livro ruim ou fútil. Muito pelo contrário, é uma obra de valor histórico e literário inestimáveis (apesar de a Siciliano cobrar preços um tanto abusivos, mas, enfim...).

O fato é que o livro me remeteu a um tempo em que eu, justamente por sua causa, adquiri um estranho e prazeroso vício. O vício de observar cada rosto masculino que cruzasse meu caminho. Pois é, todos têm algum tipo de vício, desde os mais comuns e toleráveis como reparar em placas de carros, até os mais inusitados e as vezes irritantes, como sempre precisar deixar o volume da televisão em um número par.

Em seu diário, Anne fala de Peter, um garoto de sua escola que ela chamava de "meu verdadeiro amor".

"Eu me esqueci de que ainda não lhes contei a história do meu verdadeiro amor."
[...]
"Peter era o menino ideal: alto, magro, bonito, com um rosto sério, sereno e inteligente"

[...]
"Ele tinha cabelos escuros, olhos castanhos lindos, bochechas rosadas e um nariz encantadoramente pontiagudo. Eu era louca pelo sorriso dele, que lhe dava um ar infantil e maroto."


O que é mais incrível nessa passagem e o que me faria fixá-la em minha mente a ponto de decorar cada palavra, ponto e vírgula escritos por Anne seria sua incrível perspicácia e sensibilidade ao descrever o rosto de Peter. Percebam o quanto é tocante! Um rosto sério, sereno e inteligente.

Pois bem, em fevereiro de 2008 a imprensa divulgou uma foto de Peter, doada por um ex-colega de escola de Anne.

Sério, sereno e inteligente


Desde então, depois de ter contato com essa imagem, comecei minha busca implacável. Passei meses (nem me lembro exatamente quantos) observando cada rosto masculino que cruzasse meu caminho, chegando mesmo a ser indiscreta. Eu estava determinada a encontrá-lo. Um rosto sério, sereno e inteligente!

Naquele tempo, pegar o ônibus no horário de pico se tornou uma aventura diária e prazerosa para mim. Cada rosto masculino que passasse pela catraca era minuciosamente investigado.  Uns eram sérios e serenos, outros sérios e inteligentes, mas nunca os três ao mesmo tempo.

Não menosprezando outras formas de beleza que, aliás, são muitas e inclassificáveis. Mas essa busca se transformou em uma verdadeira obsessão.

Um dia, caminhando pelos corredores da Universidade, finalmente o encontrei! Um rosto, uma fisionomia...era séria, serena e inteligente!
Sem muita coragem, desvendei as qualidades desse rosto para seu dono. Ele estranhou e achou graça, dizendo que sinceramente não se considerava nem um pouco sereno. Mas, afinal de contas, um rosto revela muito pouco de uma pessoa.
Hoje, meu amigo querido, de nome Ismael, habita terras Irlandesas. Espero que elas lhe tragam um pouco mais de serenidade...

quinta-feira, 24 de março de 2011

Esta data tão querida

Eu sendo feliz

O que nos dizem no dia do nosso aniversário:
"Parabéns! Tudo de bom para você! E muitos anos de vida!"

O que deveriam nos dizer no dia do nosso aniversário:
"Meus pesames, você está 1 ano mais próximo da sua morte.Mas não se preocupe, isso acontece com todo o mundo uma vez por ano. Espero que você viva tempo suficiente para realizar tudo o que tem vontade. Mas olha, se eu fosse você, me apressava."

Engraçado, mas sempre penso no presente não como uma forma de parabenização, mas de consolo.

Hoje, as 10h54, eu nascia no Hospital São Luiz, no bairro de Jardim Paulista, em São Paulo.
Minha mãe disse que eu não chorei. Fiquei com os olhos esbugalhados olhando para as coisas em volta. Na certa eu estava com muita raiva por terem me tirado do meu conforto uterino e me colocado em que mundo bem esquisito, que eu tentava reconhecer.


E, para que esse post não fique muito lúgubre, digo a todos que se preocupam e que estejam ligados a mim: Hoje, aos 21, ainda não reconheço o mundo no qual me puseram. Mas, sabe, no fim das contas, acho que ele também não me reconhece. Por isso não me importo tanto assim.

=P

terça-feira, 22 de março de 2011

Something in the way


Me alimentei das palavras por você proferidas. Das horas que passaram incólumes por nossos desejos reprimidos. Seu perfil ardia contra o Sol que deslizava rápido em direção a linha que separava o céu do mar. E tão rápido o Sol se pôs que escureceu o nosso amor. Ainda posso te sentir nos átomos do universo ao meu redor e nas moléculas confusas que constituem o meu ser. Em cada vão, em cada esquina, em cada beco sem saída, eu esperava por ti...E te busquei noite adentro, nas dobras do meu corpo, no suor da minha pele, no cheiro da minha roupa que, mesmo lavando muito, ainda guarda algo de ti. Mas só encontrei um pedaço rasgado de você. A parte mais obscura e sem graça, que você esqueceu rabiscada nas entranhas do livro tombado na estante.

*

Sem pedir licença, mas com aviso antecipado, seu beijo doce - daquele doce enjoativo - desceu pela minha garganta da forma exata. Tão certeiro foi, que no momento planejado anulou em equilíbrio o gosto amargo da minha boca seca. A garoa lá de fora formada por gotas bem miúdas, parecia dançar contra o vento frio que soprava mansamente só para a gente, para completar nosso espetáculo. As gotas que se acumulavam no vidro da cafeteria, tão ingênuas e fascinantes, foram as únicas testemunhas curiosas que ousaram enfeitar nossa tarde derradeira.

*

 “Agora vá e não olhe para trás". Te levo no beijo sofrido e na imagem embaçada do olhar marejado. Porque você se move, me olha, se cala e me encara como nenhum outro. E eu, tão tonta de você, me entrego logo. Aquele gosto enjoativo me guiou até você no escuro. No abismo infinito em que você me prendeu, me sentiu, me despiu  e cuspiu sem gratidão.

*

 Mas agora corra, meu amor. É sua chance derradeira. Você está no caminho exato do meu coração. Falta pouco! Se aproxime mais e lhe estenderei as mãos, que gesticulam impacientes esperando seu contato.
 E foi assim, tão de repente, que você optou por ficar pelo caminho, parado na contramão.
Olhe a hora, agora é tarde. O tempo se esgotou. O Sol já se foi. Acaba de se pôr. Ele partiu rápido, sem dar explicação, e junto partiu sem volta o meu coração.

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Dedico este texto (que não tem nem a  metade da qualidade que eu gostaria) à @pollibud

quarta-feira, 16 de março de 2011

Substantivo inconcreto


Tenho pra dizer milhões de coisas
das palavras nunca ousadas.
Todas cheias de poeira
na estante enferrujada

Esperei minha vida inteira,
pelo amor-mais-que-perfeito
que com seu charme tão verbal
transformasse o meu sujeito
em predicado nominal.
Quando enfim chegou,
perguntei-lhe a que veio
e quis dar-me uma função.
Mexeu com meus sentidos
e completei minha oração.

Acerto o tempo e boto o verbo
sim, concordo com a sentença! o momento é decisivo!
sem medo e sem frescura junto logo meu objeto
ao seu verbo transitivo

Entrego à sorte, engulo em seco
encho o peito e solto a voz

Mas é justamente nessa hora
que a frase é reduzida, 
pra que não a acusem de ser infitiva.
e as palavras ansiosas,
a espera de incentivo,
da porra de um verbo
que só pode ser intransitivo!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Introdução, metodologia e conclusão ou das coisas que não acontecem...

Do que havia pra falar, calei
Do que havia pra gastar, amealhei
Do que havia pra sentir, ignorei
Do que havia pra gostar, resignei
Do que havia...
Tinha seu gosto, tinha seu gozo, tinha seu tato, tinha seu jeito, tinha seu cheiro, tinha seu pêlo, tinha sua pele
E tudo mais aquilo
Que no fundo veio forte e no fundo ficou,
sorrateiro,
soterrado.
da negação que, não fosse ela, ninguém sabe onde isso ia parar...

quarta-feira, 9 de março de 2011

Título: Várias horas no Paint para fazer esse desenho tosco. (Bits sobre tela)








Sabe, o problema de crescer...


é que a gente vai ficando cada vez mais sintético.

sábado, 5 de março de 2011

Colombina, Colombina, meu amor

          Pierro, Arlequim e Colombina
            de Di Cavalcanti

No dia em que o Arlequim se apaixonou pela Colombina
Ele implorou cantando, serviu a moça e deu seu mundo
Ela fez pouco caso, riu sem jeito e esbanjou charme
O Pierrot chegou meio tímido, com flores murchas e um anel sem graça
Vestia trapos de palhaço, escondendo o rosto humilhado, enquanto todos lhe diziam "és um desgraçado"
A Colombina orgulhosa, uma dama respeitada,
Recebeu o mundo, aceitou as flores e vestiu o anel.
Foi quando Pantaleão, mercador galante e esnobe
Levou a Colombina
Na carruagem mais nobre
O Arlequim e o Pierrot, no carnaval da vida sofrida
suspiraram e cantaram

"Colombina, sua puta!"
  
  

sexta-feira, 4 de março de 2011

Transporte público em Natal: quem conhece, desconfia

Empresas de ônibus da cidade obrigam usuários a viajar em veículos antigos, que quebram constantemente
Por Helena Maziviero para Agência Fotec
 
Ônibus antigos que quebram constantemente fazem parte da rotina dos passageiros de Natal (Foto: Helena Maziviero/Fotec)Ônibus antigos que quebram constantemente fazem parte da rotina dos passageiros de Natal (Foto: Helena Maziviero/Fotec)


Próximo ao horário do almoço, por volta das 11h30, Carlos Cunha, um aposentado de 67 anos, espera o ônibus na Avenida Salgado Filho, uma das principais vias da cidade. “Aqui deveriam passar mais ônibus. Já faz tempo que não passa nenhum”, reclama. Ele vai para a Zona Sul, em uma região de divisa, desprovida de responsabilidade administrativa e onde as cidades de Natal e Parnamirim brigam para resolver de quem é o filho resultante do crescimento urbano não planejado.
Dois ônibus se aproximam. Carlos inclina o corpo para frente e dá o sinal de parada. O primeiro ônibus estaciona e abre as portas esperando o embarque. Carlos faz que não com o dedo e explica que o veículo certo é o que está atrás. Mas já é tarde. O transporte tão esperado havia passado rápido pela esquerda, sem se preocupar com o senhor que o aguardava. “Que absurdo!”, reclama o passageiro ignorado.
Carlos segura firme uma pasta de couro entre os braços e já está bastante impaciente, vociferando contra o transporte público da cidade. Senta-se novamente no banco e faz a única coisa que lhe resta: esperar.
Muitos ônibus mais tarde, o Nova Parnamirim - via Maria Lacerda finalmente aponta no horizonte. Em um sobressalto, Carlos estica o braço e quase implora a parada do veículo. Dessa vez ele obtém sucesso. Exibe a carteira de identidade que garante a gratuidade em transportes públicos e entra pela porta traseira. Antes que Carlos tenha tempo de se acomodar em um dos bancos, o ônibus arranca e segue viagem.
Já na BR 101, o veículo está lotado principalmente por estudantes, que preenchem os poucos espaços vazios do coletivo com bolsas, livros e cadernos, obstruindo ainda mais o caminho de quem ousa se locomover. Mesmo assim, o ônibus segue inabalável seu trajeto, até o momento em que um ruído incomum, vindo das engrenagens do veículo, une-se ao ronco costumeiro do motor e faz com que o ônibus comece a perder velocidade, até parar no acostamento da rodovia.
O motorista desce para verificar. Os passageiros aguardam ansiosos, esticando o pescoço para enxergar o que se passa. Com expressão de desapontamento, o condutor do veículo anuncia a sentença: “Terão de trocar de carro. Esse quebrou.”. Depois do murmúrio geral de insatisfação, os passageiros se aglomeram no ponto de ônibus mais próximo. Carlos está lá, segurando sua pasta de couro e dividindo sua insatisfação com qualquer pessoa que esteja a sua volta. “Esses ônibus são todos velhos, vivem quebrando. Não tem sequer um que preste”, reclama.
O transporte público de Natal, que, na verdade, se resume às linhas de ônibus, estava demonstrando o quão ineficiente e precário é o sistema do qual dependem diariamente milhares de pessoas.
Motoristas mal educados, horário irregular, atrasos, passagens elevadas e frota antiga, muitas vezes sem acesso para deficientes, são elementos que fazem parte do cotidiano de quem utiliza o transporte público da cidade. Mas, naquele momento, o descontentamento geral se percebeu quando um ônibus recém-chegado teve de enfrentar a fúria dos passageiros que embarcavam rápido pela porta traseira. O motorista anuncia que não pode, já que o veículo quebrado pertencia a uma empresa diferente. “Vocês devem esperar um ônibus que seja da mesma empresa”, informa o condutor. Tarde demais. Do meio da multidão alguém grita: “Depois que eu subir, quero ver quem me tira!”. De dentro do ônibus o cobrador reclama, dizendo que a demora no embarque está atrasando o horário do veículo. O cobrador comenta que, na verdade, ele e o motorista estão fazendo um favor aos passageiros do ônibus quebrado. “Não é nossa obrigação”, anuncia convicto.
Em total desconforto, todos finalmente embarcam e seguem viagem. Inclusive Carlos, que viajou em pé segurando a pasta de couro. No desembarque, o aposentado se atrapalha, aguardando em frente a uma porta dedicada aos deficientes e que tinha a inscrição “Desembarque pela porta trazeira”. Assim mesmo, com “z”.

A superlotação e as passagens caras são alguns dos problemas do transporte público de Natal (Foto: Helena Maziviero/Fotec)
A superlotação e as passagens caras são alguns dos problemas do transporte público de Natal (Foto: Helena Maziviero/Fotec)


[Relato do repórter] A pauta mora ao lado
Eu estava sem pauta, sentada em um ponto de ônibus no meio da Avenida Salgado Filho. Minha intenção inicial, de falar sobre o abandono do teatro municipal Sandoval Wanderley, não rendeu matéria. A professora me disse que uma outra aluna, no semestre passado, já havia feito uma reportagem com esse tema. Era verdade. Conferi no site da Fotec a ótima matéria escrita por Diana Coelho.
Eu queria algo diferente. Um assunto que não estivesse lá, só esperando para ser explorado. Queria descobrir alguma coisa nova, algum personagem representativo e aparentemente pequeno diante da imensidão dos assuntos que normalmente preenchem os veículos jornalísticos.
Lembrei de um senhor muito idoso que, mesmo aposentado, teimava em servir de guia turístico e cuidar do teatro Alberto Maranhão. Liguei para a bilheteria perguntando pelo seu Pedro, como é carinhosamente chamado. A moça do outro lado da linha me informou que ele não trabalha mais lá, que foi substituído por outra funcionária. Desligo o telefone desapontada. Eu até poderia fazer um trabalho investigativo, descobrir onde mora o seu Pedro e ir até sua casa, mas definitivamente não seria a mesma coisa. Minha idéia era a de que ele me guiasse pelo teatro, contando as famosas histórias de assombrações de atores mortos que vagam pelo prédio centenário.
Em meio à minha angustiante falta de criatividade por não conseguir pensar em sequer um assunto interessante para um trabalho de faculdade, eis que quase não reparo em um senhor um tanto caricato, sentado ao meu lado no ponto de ônibus.
Ele veste uma camiseta listrada de gola e usa os poucos cabelos brancos que lhe restam muito bem penteados. Seu nome é Carlos Cunha e está reclamando dos ônibus de Natal, da falta de respeito dos motoristas e do preço da passagem. Começamos a conversar e descubro que temos o mesmo destino. Espero o ônibus junto com ele. No fim das contas, a companhia de Carlos e a viagem me renderiam uma boa pauta. Chegando em casa, escrevi a matéria. (Helena Maziviero)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

 Não. Não sou eu de cabelo curto. Esse é meu irmão.


Quando sentir a vontade de fazer algo, faça como meu irmão: sente e espere até a vontade  passar.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Paulicéia desvairada

Flickr
Saí de agasalho, touca, calça jeans, meias longas e all star vermelho. Quase esqueci o guarda-chuva xadrez. Mas meu pai, de roupão e chinelas, enfrentou o orvalho congelado na grama para poder entregá-lo a mim.
Já eram  quase 7h, mas a manhã não tinha vindo. Ainda era madrugada. As luzes dos postes estavam acesas, mas não iluminavam muita coisa.
Desci a ladeira de casa sem poder ver mais do que vultos que estivessem a mais de três metros de distância. A neblina era tão densa que as vezes eu riscava o ar com os dedos para ver se conseguia cortá-la.
Sabe aquele vaporzinho que sai da boca porque dizem que nosso corpo está quente por dentro, aí a água que está no ar condensa quando a gente bafora?? É mentira. Sempre acreditei que aquilo era a fumaça da fogueira que meu estômago acendia porque estava com frio. Foi a Teresa - ou minha mãe preta, como ela gostava de dizer - quem me contou esse segredo. Eu era uma boba. Tinha sete anos e ainda acreditava na felicidade. Não acedito mais na felicidade, mas creio em fogueiras feitas pelo estômago.


Velha Paulista de guerra.


Enfim, são lembranças que eu tenho de São Paulo.
É a minha terra.
Engraçado, mas nunca consigo me inspirar pra falar dela.
Hoje descobri o porquê. Ela não me ama. Ela não ama ninguém. É uma velha rabugenta que cospe diariamente mais de onze milhões de pessoas nas ruas e as obriga a trabalhar, estudar, vagabundear ou pedir esmolas. Sem se importar com seus agasalhos ou meias longas de lã.
Na época, esse amor não correspondido me comovia muito. Me fazia sentir raiva. Eu me doava tanto...Caminhava pelas ruas mais obscuras, aguentava firme o cheiro de merda que brotava do Tietê, percorria estações em metrôs e trens lotados, via crianças cheirando cola e pedindo esmola...
Mas aguentei firme!
Eu me doei àquela cidade. Me ofereci como uma vagabunda. Daquelas que sobem e descem pela Augusta a procura de um "bacana".
Mas ela sempre me disse não. Me decepcionou, me cuspiu, me rasgou e vomitou.
E então eu desisti. Virei-lhe as costas. Sua puta mal agradecida!

Hoje, três anos longe dela, comecei a compreender. Ela é linda, mas detesta ser admirada. Como aquelas mulheres que encantam, te fazem rastejar por elas, comprar as jóias mais caras e ir a falência. Ela é linda, mas detesta ser amada. Mostra sempre sua pior face. Não corre o risco de ser só "mais uma".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A palavra anônima

A primeira gota de chuva caiu no canto mais árido da terra sedenta. O chão endurecido se abria em valas quase profundas de onde brotavam ramos verdes sem graça.

A ventania furiosa anunciava a tempestade. Todos já tinham se esquecido da água, pensando que talvez ela tivesse ido cair em lugares tão distantes que havia se esquecido do caminho de volta.

 Foi no dia em que o primeiro pingo de água amansou a secura do solo que a moça duvidou do amor. Travou uma batalha tão sangrenta com as armas do coração que mal pôde crer quando ouviu o suspiro sofrido e quase sem vida de seus sentimentos. Comprimiu os lábios, cerrou os olhos com toda a força e com um gesto definitivo convenceu-se que em terra de seca as emoções não florescem.
Mas a chuva chegou de repente. As gotas tinham o diâmetro de uma bola de futebol e caíram com tanta violência que derrubaram até as nuvens que tentavam se formar no céu. Tanto foi o aguaceiro que todos pensaram que a água tinha decidido brotar do chão ao invés de cair do céu.

“Revele seu segredo que eu revelo o meu”, ele insistiu. Hesitou por um instante, mas foi categórica e negou. Ela ainda tinha as mãos sujas da barra de chocolate que tinha devorado momentos antes e mal teve tempo de limpá-las na calça jeans rasgada para o aperto de mãos da despedida.

A chuva já tinha estancado, mas a mão continuou estendida.