segunda-feira, 27 de junho de 2011

O pecado...

Foto: Marlena Szasz
          
O pecado mora lá dentro

Já passava da meia-noite de sábado, mas o local ainda estava deserto. Era um bar, apesar de não haver nenhum indicativo da real finalidade daquele estabelecimento. Enormes enfeites em forma de balões juninos chamavam a atenção para aquele lugar que se escondia por trás de dois muros altos. As casas residenciais vizinhas tinham um aspecto sonolento e pareciam não se importar com a música alta que se ouvia de longe. O Vero’s Bar, no bairro da Candelária, é conhecido apenas por aqueles que o frequentam. Ele não está nos guias turísticos ou culturais da cidade. Nem mesmo pesquisas na internet são capazes de detectar o lugar. Para conseguir chegar, só mesmo através de indicações. 


Uma porta estreita, a única entrada do estabelecimento, era guardada por um homem agasalhado que vistoriava a entrada e saída dos clientes. “Pra homem é dez. Mulher entra de graça.”, informa o bilheteiro segurando um copo de pinga.  Do outro lado da rua, uma barraca de lanches atrai uma porção de homens que conversam rodeados pelas latas de cervejas vazias.

A garoa fria que começara a cair no começo da noite ainda não dava sinais de trégua. Abrigada debaixo de um guarda-chuva preto, uma mulher trajando shorts minúsculos e muito apertados dobra a esquina. Equilibrando-se sobre saltos enormes, ela cumprimenta o bilheteiro e entra rápido no local.

Lá dentro a decoração é formada por bandeirinhas e balões juninos espalhados por todo o bar. Tecidos floridos recobrem as paredes, que por vezes revelam o cimento chapiscado a espera da pintura.  Os poucos clientes escondem-se debaixo da cobertura em busca de mesas secas. Sentadas sobre as mesas, várias mulheres conversam exibindo suas coxas grossas e bundas enormes.  Quando a clientela começa a chegar elas percorrem o bar dançando sensualmente para qualquer homem que lhes dirija um olhar mais interessado. 

Os dois únicos garçons do lugar vestem camisas brancas e perambulam pelo bar chamando a atenção dos clientes mais atiçados. As mulheres se debruçam nas mesas ocupadas e pedem que os homens lhe paguem cerveja. R$ 4,50 a latinha de Skol. Um absurdo! Mas vale tudo para aqueles que estão decididos a “ganhar a noite”. As garotas fazem charme, dançam, abraçam e até beijam aqueles dispostos a abrir a carteira e despender os sete reais da caipirinha.

Um dos clientes pergunta se não haverá pole dance. “Não. Hoje não. Sem condições”, informa o garçom apontando para a barra de metal afixada em um palco improvisado ensopado pela chuva.  A noite não prometia muito. Os homens bebiam solitários, esnobando o que as mulheres tinham a oferecer. A clientela parecia mais entretida com a luta de boxe que passava na pequena televisão afixada no fundo do bar.

Foto: Miss Fluff

Quando quatro homens chegam e ocupam uma das mesas, vários pares de coxas muito grossas se aglomeram em torno do grupo. A veterana da casa chega acompanhada de mais três mulheres, abre espaço e senta com os recém-chegados. Ela é corpulenta e cheia de tatuagens. Começa a puxar conversa e pede que paguem as cervejas. “Traz quatro”, grita para o garçom. 

Um dos homens do grupo, vestindo a camisa do Inter de Milão, se interessa pela mais velha. Paga tudo o que ela pede e a beija várias vezes. Conversam por cerca de uma hora, até que ela desiste.  Há um limite de tempo. Se o homem não levar logo pro quarto nos fundos do bar, é melhor cair fora e passar pra outro.  A veterana se levanta cambaleante e se debruça sobre a mesa ao lado, onde um casal de amigos conversa. “Me dá licença, tá, meu bem? Vocês estão muito quietinhos. Vamos conversar. Me paga uma cerveja?”, pergunta quase intimando o homem. Ele responde rápido que sim.  Já sentada, ela traga o cigarro que leva entre os dedos e dirige-se sorridente à amiga do rapaz.  “Você não se importa, né, meu bem? Porque eu não quero arrumar um barraco aqui hoje”. A moça consente e como recompensa recebe um "xero" de presente. As duas riem.

No Vero’s você tem que conquistar. Precisa ter lábia, conversar ao pé do ouvido, oferecer o cigarro, pagar as bebidas – as mais caras, de preferência - e chamar para dançar forró agarradinho. Se o homem deixar sentar no colo é porque a noite está ganha. Começam as caricias mais atrevidas, os beijos mais ousados e, quando se percebe, os dois já caminham em direção ao quarto.

Lá pelas três da manhã as mulheres que sobraram perdem toda a timidez. Elas tiram os casacos e exibem seus sutiãs enfeitados com laços e lantejoulas brilhantes. Não fazem mais questão de conversa e não se incomodam quando algum homem apalpa seus corpos quase nus que dançam incansavelmente ao som do forró.

Mas nem todos vão atrás das mulheres. Muitos querem só encher a cara e curtir o ambiente. Cliente mulher quase não aparece. “Mulher desacompanhada ou é puta ou é sapatão”, é o que se ouve entre os frequentadores do Vero’s. Uma das raras clientes admite que sempre procura ir em grupo para “não ser confundida com as outras mulheres da casa”.  Ou, pelo menos, é preciso estar acompanhada de um amigo “com cara de mau”.

Dependendo do movimento, o expediente termina lá pelas cinco da manhã. É quando as últimas mulheres já vestiram seus casacos e se cansaram da dança. Algumas ainda fumam seus cigarros e pedem para que os poucos clientes restantes lhe paguem a saideira. Não há mais expectativas de ganhar a noite, que chegou ao fim. As casas vizinhas ao bar estão acordando, então é hora de dormir.                                                                                                                                                                                                                                                                                      

quarta-feira, 22 de junho de 2011

boi moído


Comer carne é uma das poucas coisas que conservo de natural.

A única coisa que considero anormal é termos que considerar a possibilidade do vegetarianismo por conta da artificialidade da carne que chega aos nossos pratos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O meu direito termina onde começa o seu


E não é que só hoje fui reparar que aquela velha frase, símbolo maior da sensatez, de tão repetida, perdeu seu sentido em línguas e personalidades ferinas? Desgastada e abatida, ressurgiu bravamente.  Tão velha e cansada, coitada! O mundo moderno pregou-lhe uma peça e em suas artimanhas se viu enroscada. Sem rumo e sem chão, sem pudor e sem razão, hoje a maltratam assim:

Meu individualismo e intolerância terminam onde começam o seu.

sábado, 4 de junho de 2011

super-amor

http://www.flickr.com/photos/hmaziviero/

tudo muda, tudo se inverte, tudo passa e às vezes reverte
te olho de frente e tão de repente 
me vira as costas. já não há mais.

grito e mastigo; xingo e engulo
o que mais me condói, me maltrata e destrói.
é que na sua volta,
tão brusca e certeira,
se oferece inteira 
e eu digo que não.
mas quando resgata 
a velha ternura 
me beija e me cura
de todo o medo 
que teima o meu ser