sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quando anuncias a hora da partida



Era óbvio. Ele nunca a amaria. Gostava dela um bocado, é verdade. Podia sentir quando ele a beijava. Via seus olhos se revirarem de prazer. A boca cálida quase queimava quando os lábios tocavam o pescoço. Ela permanecia inerte. Era ele quem mandava. Amava-o tanto que não se importava. Mandava no seu corpo, nos seus sentimentos, nos seus pensamentos. Até sua alma pertencia à ele.

Mas é na hora da partida que o sentimento puro aflora e se revela para além das palavras.
É o momento em que o coração perde o compasso, o pulmão implora ofegante, os olhos umedecidos se fecham em derrota, a alma transtornada emudece e se apaga. E o corpo, imóvel, quase desfalece impotente.

Depois da partida, tudo vira silêncio...

Era sempre ele quem anunciava a partida, quem lembrava que era tarde. Era óbvio que seria ele quem a deixaria.

Mas esse era seu papel de homem. Ele era mais forte, mais cruel e egoísta. Ele era o homem e não amava. Ela era a mulher. Apenas uma mulher... Frágil e tosca, refém de si mesma. De forte, só o sentimento.

Quando se viu abandonada, apertou a mão com toda a força. Não era muita, mas se esforçou ao máximo, até sentir as unhas cravarem na pele macia da palma da mão. Parou quando sentiu o sangue escorrer. Queria ter a certeza de que o coração ainda batia...

14 comentários:

  1. É, lena... eu sei como ela se sente.

    É difícil não tomar decisões; a gente não sabe se está vivo ou se está morto.

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  2. "Mas esse era seu papel de homem. Ele era mais forte, mais cruel e egoísta. Ele era o homem e não amava. Ela era a mulher. Apenas uma mulher... Frágil e tosca, refém de si mesma. De forte, só o sentimento."
    .
    Não seja dura com ela. Ela não era APENAS uma mulher. Nenhuma mulher é APENAS uma mulher... é sempre mais... algo mais. E homens amam, sofrem, choram e também sentem a necessidade de sentir o sangue escorrer para que possam ter certeza que o coração ainda bate.
    .
    PS: É bastante estranho sentar num banco de ônibus e olhar solitariamente a janela. Desacostumei.

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  3. Mas ela, as vezes, se sente APENAS uma mulher...A feminilidade, quando aflora, é extremamente perversa. ;)

    .

    PS: Tbm tem sido estranho para mim olhar solitariamente para a janela no ônibus. Espero estar mais presente nessa semana.

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  4. É...
    já dizia o Chico:

    "Ele é um homem... eu sou APENAS uma mulher"

    Feminilidade perversa, né? Pode ser perversa para ambos.

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  5. Cara,você é o segundo homem no ranking de entendedor da alma feminina. Parabéns!
    tem algum parentesco com o Chico?

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  6. E talvez eu seja o primeiro no ranking de ignorantes. Não quero entender a alma feminina... De que vale a vida de homem quando conseguir tal feito? Que fará mais ele da vida? Talvez a grande - e eterna - epopéia masculina seja essa, entender a alma feminina. Não pelo objetivo final, mas pelo trajeto que se faz...

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  7. ...e pelo visto você também está no caminho certo.
    Isso daria um belo post.
    Estou aguardando...

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  8. Com todo esse talento que você tem para escrever, e sua senbilidade de penetrar e descrever a alma humana, lanço-te um desafio (que eu sei que você tira de letra): escreva o roteiro que eu lhe pedi. São apenas 90 páginas, mas que só você tem a capacidade de pôr no papel todas as nossas ideias. Let's do it!
    Beijão

    Ismael

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  9. eu nemli mas to comentando pra dier q eu adorei o banner *_____________*

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  10. Ismael, querido...será uma honra para mim.
    Desafio aceito!

    ;)

    bjão

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  11. Bem, se eu sou o segundo e Chico o primeiro, analizando que a vida do tio Chico não tem nada de sem sentido, Alex, acho que talvez a minha não venha a ver, quando eu tento entender as mulheres.

    É verdade que eu sempre me ferro, mas...

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  12. “Ah, que esse cara tem me consumido
    A mim e a tudo que eu quis
    Com seus olhinhos infantis
    Como os olhos de um bandido
    Ele está na minha vida porque quer
    Eu estou pra o que der e vier
    Ele chega ao anoitecer
    Quando vem a madrugada, ele some
    Ele é quem quer
    Ele é o homem
    Eu sou apenas uma mulher”

    (Esse Cara, Caetano Veloso)

    Impossível ler seu belo post cara Lena, sem lembrar a canção do Caetano. Os artistas com suas almas ambíguas sempre tentarão compreender a alma feminina, os pobres homens comuns também, e, certamente, o máximo que conseguirão será um instantâneo fugaz, um lampejo inspirador, um poema ou uma canção que muito e nada dirá. Precisaríamos ter duas almas? Brecht acredita que sim. No teatro grego as mulheres eram representadas por homens, no Nô japonês, também. Na depravada Roma, do Império, elas eram escravas substituídas na cama por meninos vestidos e pintados tais quais aqueles que Fellini retratou um dia. Enigma da natureza, mistério do mundo, do seu úmido útero saímos pequenas presas para terminar sepultos no seu útero de sete palmos. Não, nem os artistas, nem nós pobres homens comuns entenderemos a alma feminina. O jovem escriba bem o disse, “talvez seja essa a nossa epopéia. Não pelo objetivo final, mas pelo trajeto que se faz...”

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  13. Obrigada a todos que comentaram!
    É incrível como os mistérios da alma feminina desperta o interesse e aguça a imaginação.
    Um dos grandes dilemas das mulheres é conviver também com uma alma plural, quase autônoma, que parece ter algo de sórdido e sublime, de puro e de maculado, de divino e de demoníaco.
    Enfim, que nunca se entenda, mas que se aprecie e se deleite nesse imensa confusão da feminilidade.

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