Naquela noite a lua era cheia e estava já bem alta. Uma brisa fresca soprava mansamente, aliviando o calor sufocante.
O dia tinha sido semelhante – para evitar a rispidez do igual – a todos os outros. Pelo menos, a todos os outros dos quais se lembrava com alguma nitidez e que podiam ser classificados como recentes.
A natural nostalgia do passado, somada com a morosidade da vida atual, fazia as lembranças tornarem-se ainda mais doloridas e a angústia uma constante.
A infância e a adolescência passaram com naturalidade. O que não significa que tenham sido menos intensas. Foram naturalmente prazerosas, ingênuas e, até certo ponto, inconseqüentes; mas a vida cria todas as condições para que assim sejam.
“Vontade de largar tudo. Largar tudo e sair correndo.”. Podia imaginar-se com nitidez atravessando a porta, descendo os degraus até o jardim, passaria correndo por entre as árvores, abriria o portão, que rangeria por conta dos anos e dos íons de ferro. Deixaria tudo para trás: jardim, árvores, portão e íons de ferro. A visão era tão nítida que podia quase sentir os pés descalços. Não. Não teria tempo sequer de calçar-se, pisando nos pedregulhos do jardim. E finalmente alcançaria a rua. Todos parariam observando a estranha figura, mas não se importaria e continuaria correndo. A partir daí não ambicionava mais nada. Talvez porque não fosse audaciosa ou corajosa o suficiente para sequer imaginar-se em fuga, quem dirá executá-la.
Era vítima da própria imaginação e o presente tosco podava-lhe as possibilidades, as pretensões, o destino. E os sentimentos iam confundindo-se, fundido-se, até se tornarem um frágil cordão de pequenas emoções previsíveis, que não queria dizer mais nada.
Nesse ponto a idéia da fuga já havia se tornado absolutamente impraticável, absurda. “Até a rua. Vejam só! Até a rua!”. Era só até onde sua imaginação podia chegar. Sentiu uma gota de suor escorrer pela nuca. O cabelo sempre preso, como ele gostava, aliviava o calor.
O portão rangeu. Passos pesados por causa das botinas subiram os degraus. Foi esperá-lo no alto da escada. Tentou abrir um sorriso – não com os lábios, mas com os olhos. Esperou o beijo. Ele passou rápido, apenas olhou de relance. Ainda pode ouvi-lo trancar-se no banheiro. Era óbvio que seu dia não tinha sido bom. E não era culpa dela. Não podia ser. Era culpa daquele calor infernal, que sufocava qualquer cristão. Nem pode notar a lágrima que se formava, começando a embaçar sua vista.
Mas não se abalou. Preferiu pensar na lágrima como o suor que brota dos olhos quando o calor alcança a alma.
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(Historinha meia-boca pensada para a frase do post anterior)
Meia-boca nada, ora bolas! Muito lindo... Agora apenas sentarei e esperarei mais textos seus. São leituras prazerosas! (PS: Não pense que isso é uma pressão, mas eu realmente gosto de ler seus textos.) E quando li esse (por mais que já o conhecesse) visualizei um livro... Não seria uma má idéia, hein?
ResponderExcluirEu não sei se foi o fato de eu trabalhar horas no pc, ou de eu ter acabado de acordar pra viver, mas, quando eu li o seu texto, meus olhos ardiam e falavam.
ResponderExcluirTexto boca-cheia, boca-inteira.
bom que gostaram. ^^
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