segunda-feira, 31 de maio de 2010
O insuportável sabor de tinta de escrever
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Quando anuncias a hora da partida
Mas é na hora da partida que o sentimento puro aflora e se revela para além das palavras.
É o momento em que o coração perde o compasso, o pulmão implora ofegante, os olhos umedecidos se fecham em derrota, a alma transtornada emudece e se apaga. E o corpo, imóvel, quase desfalece impotente.
Depois da partida, tudo vira silêncio...
Era sempre ele quem anunciava a partida, quem lembrava que era tarde. Era óbvio que seria ele quem a deixaria.
Mas esse era seu papel de homem. Ele era mais forte, mais cruel e egoísta. Ele era o homem e não amava. Ela era a mulher. Apenas uma mulher... Frágil e tosca, refém de si mesma. De forte, só o sentimento.
Quando se viu abandonada, apertou a mão com toda a força. Não era muita, mas se esforçou ao máximo, até sentir as unhas cravarem na pele macia da palma da mão. Parou quando sentiu o sangue escorrer. Queria ter a certeza de que o coração ainda batia...
terça-feira, 4 de maio de 2010
Lágrimas e íons de ferro
Naquela noite a lua era cheia e estava já bem alta. Uma brisa fresca soprava mansamente, aliviando o calor sufocante.
O dia tinha sido semelhante – para evitar a rispidez do igual – a todos os outros. Pelo menos, a todos os outros dos quais se lembrava com alguma nitidez e que podiam ser classificados como recentes.
A natural nostalgia do passado, somada com a morosidade da vida atual, fazia as lembranças tornarem-se ainda mais doloridas e a angústia uma constante.
A infância e a adolescência passaram com naturalidade. O que não significa que tenham sido menos intensas. Foram naturalmente prazerosas, ingênuas e, até certo ponto, inconseqüentes; mas a vida cria todas as condições para que assim sejam.
“Vontade de largar tudo. Largar tudo e sair correndo.”. Podia imaginar-se com nitidez atravessando a porta, descendo os degraus até o jardim, passaria correndo por entre as árvores, abriria o portão, que rangeria por conta dos anos e dos íons de ferro. Deixaria tudo para trás: jardim, árvores, portão e íons de ferro. A visão era tão nítida que podia quase sentir os pés descalços. Não. Não teria tempo sequer de calçar-se, pisando nos pedregulhos do jardim. E finalmente alcançaria a rua. Todos parariam observando a estranha figura, mas não se importaria e continuaria correndo. A partir daí não ambicionava mais nada. Talvez porque não fosse audaciosa ou corajosa o suficiente para sequer imaginar-se em fuga, quem dirá executá-la.
Era vítima da própria imaginação e o presente tosco podava-lhe as possibilidades, as pretensões, o destino. E os sentimentos iam confundindo-se, fundido-se, até se tornarem um frágil cordão de pequenas emoções previsíveis, que não queria dizer mais nada.
Nesse ponto a idéia da fuga já havia se tornado absolutamente impraticável, absurda. “Até a rua. Vejam só! Até a rua!”. Era só até onde sua imaginação podia chegar. Sentiu uma gota de suor escorrer pela nuca. O cabelo sempre preso, como ele gostava, aliviava o calor.
O portão rangeu. Passos pesados por causa das botinas subiram os degraus. Foi esperá-lo no alto da escada. Tentou abrir um sorriso – não com os lábios, mas com os olhos. Esperou o beijo. Ele passou rápido, apenas olhou de relance. Ainda pode ouvi-lo trancar-se no banheiro. Era óbvio que seu dia não tinha sido bom. E não era culpa dela. Não podia ser. Era culpa daquele calor infernal, que sufocava qualquer cristão. Nem pode notar a lágrima que se formava, começando a embaçar sua vista.
Mas não se abalou. Preferiu pensar na lágrima como o suor que brota dos olhos quando o calor alcança a alma.
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(Historinha meia-boca pensada para a frase do post anterior)