terça-feira, 20 de março de 2012

A Drummond, meu poeta


Hoje pensei em você. Penso sempre em você. Posso avistá-lo em cada olhar, em cada palavra, em cada medo, em cada tristeza, em cada amor, em cada revolta.
Não sou itabirana. Nunca estive lá. Mas sinto a dor dos que deixam seu lugar para carregar na alma a tristeza e o orgulho de ferro. 

Queria lhe dizer muitas coisas. Contar que hoje você tem uma estátua de bronze na orla de Copacabana. Ali, naquele banco, bem onde você gostava de se sentar. Os homens, insensíveis que são, só se esqueceram de colocá-lo de frente para o mar. Você riria se soubesse a quantidade de vezes que já roubaram seus óculos. E mesmo assim você permanece...quase inabalável. É óbvio. Você é uma estátua.

Eu tenho uma notícia ruim. Você não gostaria do mundo de hoje. Sei que passou pelas duas grandes guerras mundiais e sei que ainda choro quando leio "Visão de 1944". O mundo mudou, veio a globalização, vieram mais paz e mais guerra. Vieram a tecnologia, os problemas ambientais, o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre, o tédio e a mesquinhez.

Hoje, nada mais é natural. Nem os sentimentos. Principalmente os sentimentos...
A arrogância descreveu o círculo infinito dos pensamentos repetidos. Nada é diálogo. Mas como são bonitas as palavras "ditas sem ênfase"! Mesmo sem dizer, elas devem ser pronunciadas! 
O medo construiu muros cada vez mais altos para demarcar o individualismo extremo, a sabedoria virou um punhado de livros escritos por pensadores e filósofos notáveis, que são discutidos em bares ou nos corredores das universidades. Os homens andam austeros e acomodados. O amor foi aprisionado numa jaula de ciúme, incompreensão e mediocridade. O sentimento de liberdade e pureza, que só o amor era capaz de trazer, está se esvaindo e ofuscando as mentes jovens. Julgam-nos pelo que somos, e não por nossas ideias (pois é, elas nem têm mais o acento) ou sentimentos. Já não há mais o conforto das lágrimas ou a vontade do abraço. Há um silêncio imenso que percorre a alma dos homens. Foi-se a fé e a afeição...Ficou o medo e a hostilidade. Não queria que você experimentasse esses tempos. O mundo não está mais em contato conosco. Agora ele nos invade por inteiro, nos rouba a alma, instaura a indiferença.

Penso no seu paletó surrado de funcionário público, nos seus óculos grandes e nos seus olhos miúdos. Penso em como gostaria que você me abraçasse, me acolhesse por um segundo e dissesse: "Tenha fé, minha pequena. Você é jovem e o mundo é grande. Só por agora, não seja forte.". Eu choraria e pediria que, por gentileza, recitasse para mim o "Consolo na praia"

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
_____

"Obrigada, meu poeta. Obrigada". 
Eu seguraria seu rosto e veria seus olhinhos marejados atrás dos óculos grandes.
"Está triste?"
"Só um pouco, só uma pouco."
"Tudo bem. Vamos fazer silêncio. Uma flor nasceu."



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