domingo, 18 de abril de 2010

Os ossos do ofício


Sua profissão era coveiro. Seu destino era cavar.

Nasceu do grito do parto, do seio chupou o leite. Sentiu o gosto amargo. Cuspiu, berrou e implorou ao ver aberta a chaga do mundo.

Aprendeu a realidade, decorou o nome das coisas, amou e sofreu pra tentar entender o quão difícil era nascer.

Sua profissão era coveiro. Seu destino era cavar.

Cada buraco que abria era, para ele, um novo parto. Uma nova vida. Bem abaixo de seus pés, a terra lúgubre implorava pelo orgânico que ainda fervia em cada corpo frio.

Um dia percebeu a morte. Sempre tão próxima e acolhedora. A vida era difícil. Tirava da morte o seu sustento.

Abriu um buraco no canto mais lindo. Ali, bem perto. Onde a terra é mais fértil. Cavou tanto e com vontade, que o cabo da enxada abriu-lhe dois furos na mão.

Entregou-se ao buraco escuro. Fechou os olhos pesados e riu a alegria infinita de ter o corpo descansado. Repousou as mãos sobre o peito. Agora sim. Não sentia mais a vida.

E assim ficou deitado, esperando jazer eternamente. Sem benção e sem lápide , no reinado que era seu.

Sua profissão era coveiro. Seu destino era cavar.

Um comentário:

  1. "Na vida a gente nasce, sonha e morre. E nesse intermédio entre vida e morte, por vezes acordamos..." http://tangocalangotango.blogspot.com/2010/02/sonambulismo.html

    ResponderExcluir