segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O chapéu com fita


Hoje fiz uma limpeza nos meus arquivos.

E encontrei um texto que comecei a escrever quando tinha 12 anos. Era pra ser um monólogo e lembro de tê-lo abandonado por achar que ficou muito ruim.

Acho engraçado pensar que hoje me sinto incapaz de escrever algo parecido e vou postá-lo para provar que quanto mais a gente cresce, menos exploramos nossas capacidades. Como se a criatividade, livre de pretensões, desse lugar a maturidade, que se envaidece em dizer que tem a experiência de um mundo caduco.

Está na íntegra...com todos os errinhos de português inclusive. Espero terminá-lo um dia...


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UM PRAZER MALICIOSO


Um prazer malicioso é o que eles sentem...
Um prazer malicioso que me faz sentir vergonha de olha-los, de encarar, de falar. Sequer cruzar com eles na rua...
Eu deveria andar totalmente coberta ou totalmente nua, para que nada fosse suspeitado, nada fosse ousado ou imaginado.
Mas é essa sem-vergonhice que me destrói, essa sensualidade desvairada, promiscuidade barata.
Meu tempo não é esse. Meu mundo não é esse.
Tenho asco quando percebo que estou sendo olhada. Não. Olhada, não. Reparada. Reparam em mim. Eu sei que reparam. Em todos os meus momentos, digamos, “públicos”.
Outro dia, subindo apressada da loja de tecidos para minha casa, encontrei uma amiga, dessas meio atiradas que todos conhecem, que não tem vergonha, ou pudor de estar sempre em evidência. E que vez ou outra enlouquecem... Cumprimentei-a rapidamente, mais com um gesto de cabeça do que com palavras definitivas e bem definidas. Mas fui obrigada a parar quando uma outra moça, que estava em sua companhia e que eu nunca havia sequer cumprimentado, fez-me um aceno bem expansivo, exclamando em seguida: “ Você é Madalena, não?”. “Sim. Sou. Por quê?”. “Sei por alto...”
E não só sabia por alto, mas ditou-me com perfeição detalhes não exatamente confidenciais, mas que diziam respeito a informações um tanto particulares, como o numero exato de minha casa avarandada, já tradição de família. Da minha família. Horários em que costumo sair para as compras. E até elogiou, com certa prudência, às vezes em que eu usava chapéus com laço.
Perdoem-me pelo que lhes vou confessar. Gostaria que nada fosse dito, mas estou dizendo. Não sei se para mim ou para o mundo todo. Mas são palavras que eu simplesmente não sei até onde chegarão...
Gostei do que ouvi. Gostei de saber ou, pelo menos, ter a impressão de que existo não só por minha própria dependência, mas que existo para um mundo. Tudo bem, tudo bem. Um mundo que nem sempre percebo. Mas que, de alguma forma, me percebe. E que gosta quando uso chapéu com laço! Gosto muito de chapéus com laço.
Isso reconforta. É uma pena que seja reconfortante apenas até onde não é invasivo ou demasiadamente comprometedor. Mas assim, a longa distância, visto de longe como um lindo chapéu de laço numa vitrine, é bem bonito. É fascinante. Mas, antes de tudo, para que fique claro. Reconfortante.

Não acho certo. Discordo plenamente das ocasiões demasiadamente públicas. São infernais e grotescas. O bonde...odeio o bonde.Tal quantidade de gente e ternos e vestidos que sufocam minha coerência. Entramos como se não estivéssemos indo para lugar algum, sentamo-nos como se não tivéssemos outra opção e finalmente aguardamos como se não pudéssemos fazer mais nada, além de esperar. Esperar...
Então tomamos aquela doce e cretina fisionomia da total ausência de expressões. Alguma coisa como, a cara que teria se as emoções não existissem.
E assim me comportaria até o final do trajeto se o homem de bengala e terno surrado não olhasse.
Ele olhava. Tenho a certeza. Ah! Que nojo! Não posso acreditar. Ele olhava para meus seios. Tinha os olhos calmos. Não eram vidrados. Olhavam de relance. Depois fingiam analisar a paisagem e, então, num simples relance, alçado pelo movimento rápido da cabeça, fitavam os meus seios! Os meus! Meus seios!
O mundo tem impressões. São muitas. A gente adquire uma e a toma por real. Ou, pelo menos, como nossa. E então, quando surge alguém com outra impressão, temos medo de que ela seja maior do que a outra e que nos faça refletir sobre quais são as verdadeiras ou as mais coerentes. Porque eu sei que nenhuma delas é verdadeira ou coerente. E que só existe um mundo. O mais direto e exato possível. Seria tão simples. Meu Deus! Tão simples. Se eu pudesse perceber as coisas tal como são. O mundo, cruamente. E então não existiria o feio ou o belo, a razão e a emoção, a verdade e a mentira; e todas essas contrariedades inventadas pelas impressões do homem. E um chapéu com laço seria apenas um chapéu com laço. Igual a qualquer um. E aquela moça não me repararia e não acharia que eu fico bem com um maldito chapéu com laço!

Se o mundo tivesse um cheiro, seria aquele artificial, de Tutti-fruti. Não tem? Cheiro de tutti-fruti?
E as lâmpadas sempre iriam estar acesas. Mas bem fracas. Os recintos sempre requerem um pouco mais de luminosidade.
Mas desde cedo aprende-se a aceitar as pessoas tal como são, para que elas também possam nos aceitar e vivermos em harmonia.
E gosto muito das pessoas. Não a ponto de compartilhar de suas impressões, logicamente. Mas até aonde é reconfortante. Até onde sei que reparam que fico bem de chapéu com laço. Só até aí! Mais do que isso...torna-se perigoso.
Sempre achei que cada um vive em um mundo a parte. E os que enlouquecem, é porque não souberam ou não se satisfizeram em viver no seu próprio mundo. Mas o homem não nasceu para isso.

5 comentários:

  1. E quem é, atualmente, a menina de 12 anos?

    (ah, Alex que me "apresentou" você.)

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  2. gente,
    eu sou a segunda pessoa mais interessante dentro de um ônibus em que se encontram duas: eu e o Alex.
    Se o motorista e o cobrador contarem também, eu sou a quarta.

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